quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Florbela Espanca [SONETOS]

QUE IMPORTA?..

  Eu era a desdenhosa, a indiferente.
  Nunca sentira em mim o coracao
  Bater em violências de paixao,
  Como bate no peito a outra gente.

  Agora, olhas-me tu altivamente,
  Sem sombra de desejo ou de emocao,
  Enquanto as asas loiras da ilusao
  Abrem dentro de mim ao sol-nascente

  Minh'alma,a pedra, tranformou-se em fonte;
  Como nascida em carinhoso monte,
  Toda ela é riso e é frescura e graca!
                 
  Nela refresca a boca um so instante...
  Que importa!...se o cansado viandante
  Bebe em todas as fontes... Quando passa?...
         
           
                        Florbela Espanca                         




        AMOR QUE MORRE

 O nosso amor morreu...Quem o diria!
 Quem o pensava mesmo ao ver-me tonta,
 Ceguinha de te ver,sem ver a conta
 Do tempo que passava, que fugia!

             Bem estava a sentir que ele morria...
 E outro clarao ao longe, ja desponta!
 Um engano que morre... e logo aponta
 A luz de outra miragem fugidia...

             Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
 Sao precisos amores, pra morrer,
 E sao  precisos sonhos pra partir.

          E bem sei, meu Amor, que era preciso
 Fazer do amor que parte o claro riso
 De outro amor impossivel que ha-de vir!

                Florbela Espanca



A NOSSA CASA

 A  nossa casa,Amor,a nossa casa!
 Onde esta ela,Amor,que eu nao a vejo?
 Nao minha doida fantasia em brasa
 Constroi-a num instante, o meu desejo!

        Onde esta ela,Amor,a nossa casa,
 O bem que neste mundo mais invejo?
 O brando ninho onde o nosso beijo
 Sera mais puro e doce que uma asa?

        Sonho...que eu e tu...dois pobrezinhos,\
 Andamos de maos dadas,nos caminhos
 Duma terra de rosas, num jardim,
 
          Num pais de ilusao que numca vi...
 E que eu moro--tao bom!-- dentro de ti
 E tu,o meu Amor, dentro de mim...


      Florbela Espanca



 NOCTURNO

   Amor!Anda o luar, todo bondade,
   Beijando a Terra, a desfazer-se em luz...
   Amor! Sao os pes brancos de Jesus
   Que andam pisando as ruas da cidade!

    E eu ponho-me a pensar...Quanta saudade
   Das ilusoes e risos que em ti  pus!
   Tracas-te em mim os bracos de uma cruz,
   Neles pregas-te minha mocidade!
  
Minh'alma que eu te dei,cheia de magoas,
   E  nesta noite o nenufar de um lago
   Estendendo as asas brancas  sobre as aguas!

                
   Poisa as maos nos meus olhos,com carinho
   Fecha-os num beijo dolorido e vago...
   E deixa-me chorar devarinho...
 

     Florbela Espanca


Nenhum comentário: