Rute
Else Lasker-Schüler
Tradução de João Barrento
E tu vens procurar-me junto às sebes.
oiço o soluçar dos teus passos
E os meus olhos são pesadas gotas escuras.
Na minha alma nascem as flores doces
Do teu olhar e ele enche-se
Quando os meus olhos se exilam para o sono.
Na minha terra,
Junto ao poço, está um anjo:
Canta a canção do meu amor,
Cata a canção de Rute
Enleio
Maria Teresa Horta
Não sei se volteio
Se rodopio
Se quebro
Se tombo nesta queda
em que passeio
Não sei se a vertigem
em que me afundo
é este precipício em que me enleio
Não sei se cair assim me quebra... Me esmago ou sobrevivo
em busca deste anseio
Diferença
Maria Teresa Horta
Aquilo que é secreto
à tua beira
e longe de ti se torna
tão corrente
Aquilo que é vulgar
longe de ti
mas se estás perto
se torna tão diferente
Aquilo que é mistério
indecifrável
se te aproximas até à minha
cama
E que se torna
raivosamente instável
se por acaso não dizes que me amas
Aquilo que é segredo
se o não escutas
e a tua beira fica
desvairado
Os silêncios
Maria Teresa Horta
Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo
Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo
que não digo
Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei não te persigo
Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo
Vem e lavra-me
Teresa Machado
Fecho os olhos e consigo
lembrar o que fiz contigo:
foi AMOR como não há!...
Mas no meio desta insónia
nua e sem cerimónia
acaricio-me já...
Mas falta-me a tua mão
os teus lábios, o escaldão
da tua língua macia...
Percorre-me com teu tacto,
põe-me de gatas no acto
que mais libera a magia!
Corre para a minha beira!
Lavra-me! Eu sou a leira
que ressequida reclama...
Vem e faz-me amor sem rede,
Vem e mata minha sede,
à rédea solta, na cama!
Dei-te um beijo
Teresa Machado
Dei-te um beijo e mitiguei
minha sede de mais beijos,
dei-te um só e lamentei
não me sarar os desejos...
Um só não é solução
pró lume que me arde no peito...
Mas faz bem ao coração
dar amor a um eleito!
Por isso eu hei-de beijar
vezes e vezes sem fim
tua boca apetecida,
e tu também me hás-de dar
a retribuição, enfim,
a tua pla minha vida!
Entre a sombra...
Maria Alberta Menéres
Entre a sombra e a noite há um submisso instante
de preparação.
Aberto espaço onde aves não cantam,
imaculado, instantâneo refúgio.
Entre a sombra e a noite, único passo!
— E é serena e frágil a presença
dos nossos vultos passageiros
isolados na própria condição.
Onde nada se move, uma estrela suspensa.
E tão inutilmente despedaço o encanto,
e tão súbita me vem uma tristeza antiga,
que entre a sombra e a noite encontro o meu refúgio
— o intocável, único espaço.
Papoilas
Ana Mafalda Leite
estou opiada de ti
e percorres-me os nervos todos
com papoilas borboletas vermelhas
o meu corpo entrança-se de sonhos
e sente-se caminhando por dentro
aspiro-te
como se me faltasse o ar
e os perfumes dançam-me
qualquer coisa como uma droga bem forte
corpo e alma
rezam pequenas orações
gestos ritmados ao abraçar-te como que abraça
sonhos
coisa estranha
opiada me preciso ou apenas vestida de papoilas e
muito sol com luas por dentro
para poder mastigar estes sonhos
reais como mandrágoras
Lépida e leve
Gilka Machado
Lépida e leve
em teu labor que, de expressões à míngua,
o verso não descreve...
Lépida e leve,
guardas, ó língua, em teu labor,
gostos de afago e afagos de sabor.
És tão mansa e macia,
que teu nome a ti mesma acaricia,
que teu nome por ti roça, flexuosamente,
como rítmica serpente,
e se faz menos rudo,
o vocábulo, ao teu contacto de veludo.
Dominadora do desejo humano,
estatuária da palavra,
ódio, paixão, mentira, desengano,
por ti que incêndio no Universo lavra!...
és o réptil que voa,
o divino pecado
que as asas musicais, às vezes, solta, à toa.
e que a Terra povoa e despovoa,
quando é de seu agrado.
Sol dos ouvidos, sabiá do tato,
ó língua-idéia, ó língua-sensação,
em que olvido insensato,
em que tolo recato,
te hão deixado o louvor, a exaltação!
– Tu que irradiar pudeste os mais formosos poemas!
– Tu que orquestrar soubeste as carícias supremas!
Dás corpo ao beijo, dás antera à boca, és um tateio de
alucinação, és o elatério da alma... Ó minha louca
língua, do meu Amor penetra a boca,
passa-lhe em todo senso tua mão,
enche-o de mim, deixa-me oca...
– Tenho certeza, minha louca,
de lhe dar a morder em ti meu coração!...
Língua do meu Amor velosa e doce,
que me convences de que sou frase,
que me contornas, que me vestes quase,
como se o corpo meu de ti vindo me fosse.
Língua que me cativas, que me enleias
ou surtos de ave estranha,
em linhas longas de invisíveis teias,
de que és, há tanto, habilidosa aranha...
Língua-lâmina, língua-labareda,
língua-linfa, coleando, em deslizes de seda...
Força inferia e divina
faz com que o bem e o mal resumas,
língua-cáustica, língua-cocaína,
língua de mel, língua de plumas?...
Amo-te as sugestões gloriosas e funestas,
amo-te como todas as mulheres
te amam, ó língua-lama, ó língua-resplendor,
pela carne de som que à idéia emprestas
e pelas frases mudas que proferes
nos silêncios de Amor!...
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