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sábado, 23 de agosto de 2008

Infância

 Infância

 

                                     Para  meu  pai              

 

 

 

 

 

 

Lá vai a Dona Biloca levando uma corvina...

Levei uma surra porque peguei um ovo no galinheiro dela

e disse pra minha mãe que achei na rua...

Lá vem a Odair e o Udinho...

eu sei que eles querem brincar na piscina que eu fiz  sooozinho..

-- Ei Lelo, lá  vem o Seu Badico lavar os cavalos na praia...

-- Eu sei, mas depois ele vai  encher a carroça de tainhas,

vai pôr folhas de bananeira em cima  e vai vender lá em Medeiros.

--Paaaai!... deixa eu ir com o senhor lá em Medeiros???.

Como eu gosto de lavar o Sanho... ele é tão mansinho...

-- Pai... o senhor já nadou até a ilha?

-- Pai... depois o senhor me leva até o fundo?

--Pai... eles vão pôr de novo a rede hoje?

-- Pai... depois vamos tomar garapa lá no Seu Bebé?

 

Infância... a indelével imagem da vida

o território mágico da alma

lembrança viva e peregrina que  flutua pelo tempo.

Ah! essa salgada saudade dos braços fortes de meu pai

a levar-me sobre os ombros entre as ondas.

O salto, o mergulho, o torvelinho das águas

minha festa, meu delírio.

Meu mar, meu céu, meu pão de liberdade

meus sete anos correndo atrás das gaivotas

perambulando entre as canoas que chegavam

meus pés vestidos com  pantufas de espuma

a chutar seus densos flocos pelo ar.

As estrelas do mar semeadas ao longo dos meus passos

os siris entrando em seus buracos

os maçaricos andando ligeirinhos pela praia

as redes chegando lentamente com o  cardume aprisionado

arraias, bagres, cações

espadas, águas vivas, caranguejos

os pescadores repartindo os peixes agonizantes

os baiacus mortos na areia

os restos do arrastão espalhados sobre a praia

meu samburá repleto de peixinhos.

 

Ah, a canção intermitente das ondas

o poético itinerário das velas levadas pelo vento

o vôo vagabundo das  aves litorâneas

o dorso escuro dos botos surgindo de quando em quando sobre as águas.

a maré alta da tarde apagando  as marcas da manhã

a minha lagoinha lá perto da ponte

o meu mangue povoado de siris-goiá

meu pai tirando ostras

o rio desembocando lá na barra

a chegada das tainhas no inverno.

 

Ali morava minha infância

ali, e na imensurável morada do horizonte...

Meus olhos despertavam nas pálpebras entreabertas da aurora

e partiam com os mastros que sumiam na distância.

Vagavam no caminho melancólico do crepúsculo

no ocaso das tardes e na penumbra

na sedução da lua cheia sobre o mar.

Ah, Piçarras!... Piçarras!...............................

Não eras ainda esse moderno balneário

e a tua praia era somente  minha o ano inteiro.

......................................................................................

 

As velas da minha infância,

arriadas pelo tempo, já não saem pra pescar.

As redes daqueles anos,

abertas qual flor nas águas, chegam vazias do mar.

Os cardumes de tainhas,

ligeiras como corisco, já não chegam pra invernar.

As águas vivas do rio,

hoje carregam chorando,  seu veneno para o mar.

 

 

Meu manguezal de menino,

berçário de tantas vidas, foi inteiro loteado.

        Minhas canoas à vela,

poemas soltos ao vento, hoje navegam roncando.

O lago era um ovário

cujo canal dava ao rio, e tudo foi aterrado.

Progresso... que desencanto!!!

  sou um estranho nesse ninho, sou uma infância chorando.

............................................................................................

 

Ó mar, ó mar

procuro em vão meus rastros na areia

e por isso meus passos já não serão como um regresso...

Me restará, contudo, sempre  a tua eterna imagem,

tua beleza amanhecida e retocada pelo sol e pela brisa,

tuas verdes planícies que espraiam o mundo.

Resta-me o teu sabor primordial

“o sal da vida”

linfa incorruptível

ventre profundo que dia a dia reinaugura a maternidade planetária.

Restam-me tuas noites  pontilhadas pelos faróis do mundo

por Sírius, Antares,  Aldebarã...

por todo o firmamento constelado

e pelo  esplendor dos plenilúnios.

 

Volto saudoso aos meus mares

porque sempre haverá um leste e um sul magnético no meu peito

apontando-me  o encanto desses íntimos recantos.

Aqui, uma pequenina praia entre pedras e penhascos,

ali, a visão imensa da baía com seus barcos e canoas, 

além,o grito alado das plumagens que voam lentamente sobre as ondas

ao longe, o pesqueiro solitário que demanda as águas fundas.

Relembro este molhe de pedra que avança sobre o mar

do farol da barra  e  desta paisagem soberana

e da minha adolescência cruzando a nado esta corrente.

É o meu Itajaí-Açu desembocando calmamente no oceano

neste mar tão verde desta manhã de sol.

Meu olhar ancora ao longe, nos navios fundeados

e navega, mais além,  pousado no mastro esbelto de um veleiro.

 

Mar, ó mar

restará sempre o teu murmúrio a embalar o mundo

a voz inaudível das profundidades orientando a  rota dos cardumes

a tua gestação incessante de criaturas

a força imponderável das correntes

a pontualidade das marés

os teus ciclos arquétipos que sustentam a vida.

 

Mar, ó mar

basta-me hoje o que já me deste desde sempre...

a tua imensidão tatuada nos meus olhos,

verde enseada onde aportou meu lírico destino.

Esses teus encantos, as tuas extensões,  essa totalidade...

todas as tuas medidas eu quisera ter na suprema síntese dos meus versos,

para dá-la ao mundo na  expressão mais bela da poesia:

a face deslumbrante da esperança.

 

                                                            Manoel de Andrade

                                                             Piçarras-Itajaí, fevereiro de 2005 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Minha Casa Era Um Rio [© DE João Batista do Lago]

A minha casa era um rio de imensidão

Tão grande… tão grande… tão imenso 

Que todos os rios do mundo

Passavam pelo rio da minha casa

O rio da minha casa tinha algo de humano

Todas as noites ele vinha conversar comigo

Contava-me estórias mágicas… fantásticas

Dessas que a gente nunca mais esquece

Eram tantas as lendas que ele contava

E embalado pelas maravilhas eu navegava em suas águas

E nadava todo o percurso do rio que passava em minha casa

E navegava todos os rios que passam pelo rio da minha casa

A minha casa tinha um rio de águas profundas

Mansas, calmas, perenes e cristalinas

Águas que me abraçavam, que me acariciavam

Que me beijavam e que me amavam afetuosamente

O rio da minha casa quando me via triste

Chamava todos os rios do mundo

E dançavam ciranda ao meu redor

Até que vissem de novo um sorriso no meu rosto

Se por ventura chorasse de fome

O rio da minha casa e todos que passavam por ela

Pescavam o peixe mais belo

E me alimentavam até cessar a fome

Quando em noites escuras e sem luares

Noites que nos infestam de fantasmas

O rio da minha casa murmurava uma canção

E trazia com ela as mais belas princesas

Ah! O rio da minha casa não me deixava em solidão

Brigava com papai… ralhava com mamãe

E enchia suas almas de todos os cuidados

E os transformavam em verdadeiros espíritos de proteção

Assim era o rio daquela minha casa

Hoje vivo ao léu na minha caverna

A minha casa que era um rio de felicidade

Agora nada mais é que pântano. É cidade

Quantas saudades tenho daquele rio

De um rio que juntava todos os rios imensos do mundo

Do rio que passava na minha casa

Da minha casa que era o barco da felicidade

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Princípio, Meio e Fim [© DE João Batista do Lago]

Princípio, meio e fim

© DE João Batista do Lago


disse-me el diablo:
- rezo diariamente para o deus
peço encarecidamente
contritamente
que me livre de ti
não te o quero aqui no tártaro...
vai de retro
vai
vai
vai
não me corrompas o inferno
não quero o caos administrado


...então voltei ao sagrado
disse-me ele:
- penas como quiseres
entre céus e terras (e)
procuras teu reino e trono
acima e abaixo do mar já têm donos


manifesto:
- absurdo
como não ser como eles
como não ter poderes
vou mostrar a ambos
não sou refém da minha ambição
serei maior que os dois
terra terei por redenção


agora os dois me suplicam
el diablo: - alma alguma me quer agora
acabaram-se os encantos do tártaro...
o sagrado: - deixe-me os anjos e os santos
não os roube...
ambos então se ajoelham:
- poeta, perdoai nossos pecados
vem-nos completar a trindade
nem o uno
nem o outro
sejamos três: alteridade 

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Poesia do Aliterado [© DE João Batista do Lago]


POESIA DO ALITERADO



© DE João Batista do Lago



meu amigo

teu verso (in)criado é reino

linguagem de ausente fala

vasos de flores sobre túmulos



tua cabeça de burro

tua pela de leão

\o/

vontade tanta – pra quê?



tuas leiras de frases

tuas montanhas esquizofrênicas

tremeluzir megalomaníaco

esconde sob pele de leão

ouro Equus asinus



tua crina

dna de escuridões

adorna

denuncia

falencia

caixa de pandora

vontade tanta

esperança tanta

pra quê?



teu jardim

comercia excremento

dizes de tudo – o tempo todo –

novos tempos

tu regas (com)paixão

teu é catacumba

tua miséria

entoa tua valsa de sorte



tua vida atoa

teu carnaval difuso

teu desfile de verborreia

não consegue essência do leão

tua eterna perseguição: \o/



teu pedido

será configurado

grafado

regristrando eternidade

\O/

sob pele de leão

esquecimento

solidão

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Florbela Espanca [SONETOS]

QUE IMPORTA?..

  Eu era a desdenhosa, a indiferente.
  Nunca sentira em mim o coracao
  Bater em violências de paixao,
  Como bate no peito a outra gente.

  Agora, olhas-me tu altivamente,
  Sem sombra de desejo ou de emocao,
  Enquanto as asas loiras da ilusao
  Abrem dentro de mim ao sol-nascente

  Minh'alma,a pedra, tranformou-se em fonte;
  Como nascida em carinhoso monte,
  Toda ela é riso e é frescura e graca!
                 
  Nela refresca a boca um so instante...
  Que importa!...se o cansado viandante
  Bebe em todas as fontes... Quando passa?...
         
           
                        Florbela Espanca                         




        AMOR QUE MORRE

 O nosso amor morreu...Quem o diria!
 Quem o pensava mesmo ao ver-me tonta,
 Ceguinha de te ver,sem ver a conta
 Do tempo que passava, que fugia!

             Bem estava a sentir que ele morria...
 E outro clarao ao longe, ja desponta!
 Um engano que morre... e logo aponta
 A luz de outra miragem fugidia...

             Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
 Sao precisos amores, pra morrer,
 E sao  precisos sonhos pra partir.

          E bem sei, meu Amor, que era preciso
 Fazer do amor que parte o claro riso
 De outro amor impossivel que ha-de vir!

                Florbela Espanca



A NOSSA CASA

 A  nossa casa,Amor,a nossa casa!
 Onde esta ela,Amor,que eu nao a vejo?
 Nao minha doida fantasia em brasa
 Constroi-a num instante, o meu desejo!

        Onde esta ela,Amor,a nossa casa,
 O bem que neste mundo mais invejo?
 O brando ninho onde o nosso beijo
 Sera mais puro e doce que uma asa?

        Sonho...que eu e tu...dois pobrezinhos,\
 Andamos de maos dadas,nos caminhos
 Duma terra de rosas, num jardim,
 
          Num pais de ilusao que numca vi...
 E que eu moro--tao bom!-- dentro de ti
 E tu,o meu Amor, dentro de mim...


      Florbela Espanca



 NOCTURNO

   Amor!Anda o luar, todo bondade,
   Beijando a Terra, a desfazer-se em luz...
   Amor! Sao os pes brancos de Jesus
   Que andam pisando as ruas da cidade!

    E eu ponho-me a pensar...Quanta saudade
   Das ilusoes e risos que em ti  pus!
   Tracas-te em mim os bracos de uma cruz,
   Neles pregas-te minha mocidade!
  
Minh'alma que eu te dei,cheia de magoas,
   E  nesta noite o nenufar de um lago
   Estendendo as asas brancas  sobre as aguas!

                
   Poisa as maos nos meus olhos,com carinho
   Fecha-os num beijo dolorido e vago...
   E deixa-me chorar devarinho...
 

     Florbela Espanca


terça-feira, 12 de agosto de 2008

Gênese da Morte

GÊNESE DA MORTE


© DE João Batista do Lago


Ó criatura iluminada da minha existência

Vens a mim com tua soberania imaculada (e)

Viajemos pelos túneis diversos dos tempos

Que nos revelam o espaço de novas moradas


Vens, ó doce criatura, em majestosa carruagem

Traze contigo as jovens filhas do Sol

Para podermos atravessar o mágico portal

Que nos levará à eqüidade voluptuosa do fogo eterno


Vens e traze contigo o fogo do deus Sol

Para queimarmos nosso tempo invernoso

Para que eu não retorne às casas noturnas

Onde só a escuridão e o sono são companheiros


Vens, ó santa criatura, e atravessemos os umbrais

Ainda que eles nos queiram impingir as dores

Dores do parto que haveremos de fazer (e assim)

Quebremos os grilhões de amores infaustos


Vens, ó irmã gémea, vida e morte do meu ser

Filha, como eu, do Oráculo do Saber

Templo que tudo principia – e finda! –

Casa do instante, senhor de toda democracia


Vens, ó espírito do minha alma,

Viver, não é preciso não!... Morrer toda Necessidade!...

Necessidade do Princípio sem início... sem fim

Sem as correntes que sufocam toda Verdade


Vens, enfim, ó bela e santa Morte!

Gruda-me ao peito e me carregas ao seio

Quero contigo sorver do vinho da Virtude

Quero contigo embriagar-me nas vinhas da Justiça

Vários autores


Rute
Else Lasker-Schüler
Tradução de João Barrento

E tu vens procurar-me junto às sebes.
oiço o soluçar dos teus passos
E os meus olhos são pesadas gotas escuras.

Na minha alma nascem as flores doces
Do teu olhar e ele enche-se
Quando os meus olhos se exilam para o sono.

Na minha terra,
Junto ao poço, está um anjo:
Canta a canção do meu amor,
Cata a canção de Rute



Enleio
Maria Teresa Horta

Não sei se volteio
Se rodopio
Se quebro

Se tombo nesta queda
em que passeio

Não sei se a vertigem
em que me afundo
é este precipício em que me enleio

Não sei se cair assim me quebra... Me esmago ou sobrevivo
em busca deste anseio



Diferença
Maria Teresa Horta

Aquilo que é secreto
à tua beira
e longe de ti se torna
tão corrente

Aquilo que é vulgar
longe de ti
mas se estás perto
se torna tão diferente

Aquilo que é mistério
indecifrável

se te aproximas até à minha
cama

E que se torna
raivosamente instável
se por acaso não dizes que me amas

Aquilo que é segredo
se o não escutas
e a tua beira fica
desvairado



Os silêncios
Maria Teresa Horta

Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo

Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo
que não digo

Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei não te persigo

Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo



Vem e lavra-me
Teresa Machado

Fecho os olhos e consigo
lembrar o que fiz contigo:
foi AMOR como não há!...
Mas no meio desta insónia
nua e sem cerimónia
acaricio-me já...

Mas falta-me a tua mão
os teus lábios, o escaldão
da tua língua macia...
Percorre-me com teu tacto,
põe-me de gatas no acto
que mais libera a magia!

Corre para a minha beira!
Lavra-me! Eu sou a leira
que ressequida reclama...
Vem e faz-me amor sem rede,
Vem e mata minha sede,
à rédea solta, na cama!



Dei-te um beijo
Teresa Machado

Dei-te um beijo e mitiguei
minha sede de mais beijos,
dei-te um só e lamentei
não me sarar os desejos...

Um só não é solução
pró lume que me arde no peito...
Mas faz bem ao coração
dar amor a um eleito!

Por isso eu hei-de beijar
vezes e vezes sem fim
tua boca apetecida,

e tu também me hás-de dar
a retribuição, enfim,
a tua pla minha vida!



Entre a sombra...
Maria Alberta Menéres

Entre a sombra e a noite há um submisso instante
de preparação.
Aberto espaço onde aves não cantam,
imaculado, instantâneo refúgio.
Entre a sombra e a noite, único passo!

E é serena e frágil a presença
dos nossos vultos passageiros
isolados na própria condição.

Onde nada se move, uma estrela suspensa.

E tão inutilmente despedaço o encanto,
e tão súbita me vem uma tristeza antiga,
que entre a sombra e a noite encontro o meu refúgio
— o intocável, único espaço.



Papoilas
Ana Mafalda Leite

estou opiada de ti
e percorres-me os nervos todos
com papoilas borboletas vermelhas

o meu corpo entrança-se de sonhos
e sente-se caminhando por dentro

aspiro-te
como se me faltasse o ar
e os perfumes dançam-me

qualquer coisa como uma droga bem forte
corpo e alma
rezam pequenas orações
gestos ritmados ao abraçar-te como que abraça
sonhos

coisa estranha

opiada me preciso ou apenas vestida de papoilas e
muito sol com luas por dentro

para poder mastigar estes sonhos
reais como mandrágoras



Lépida e leve
Gilka Machado

Lépida e leve
em teu labor que, de expressões à míngua,
o verso não descreve...
Lépida e leve,
guardas, ó língua, em teu labor,
gostos de afago e afagos de sabor.

És tão mansa e macia,
que teu nome a ti mesma acaricia,
que teu nome por ti roça, flexuosamente,
como rítmica serpente,
e se faz menos rudo,
o vocábulo, ao teu contacto de veludo.

Dominadora do desejo humano,
estatuária da palavra,
ódio, paixão, mentira, desengano,
por ti que incêndio no Universo lavra!...
és o réptil que voa,
o divino pecado
que as asas musicais, às vezes, solta, à toa.
e que a Terra povoa e despovoa,
quando é de seu agrado.

Sol dos ouvidos, sabiá do tato,
ó língua-idéia, ó língua-sensação,
em que olvido insensato,
em que tolo recato,
te hão deixado o louvor, a exaltação!

Tu que irradiar pudeste os mais formosos poemas!
– Tu que orquestrar soubeste as carícias supremas!
Dás corpo ao beijo, dás antera à boca, és um tateio de
alucinação, és o elatério da alma... Ó minha louca
língua, do meu Amor penetra a boca,
passa-lhe em todo senso tua mão,
enche-o de mim, deixa-me oca...
– Tenho certeza, minha louca,
de lhe dar a morder em ti meu coração!...

Língua do meu Amor velosa e doce,
que me convences de que sou frase,
que me contornas, que me vestes quase,
como se o corpo meu de ti vindo me fosse.
Língua que me cativas, que me enleias
ou surtos de ave estranha,
em linhas longas de invisíveis teias,
de que és, há tanto, habilidosa aranha...

Língua-lâmina, língua-labareda,
língua-linfa, coleando, em deslizes de seda...
Força inferia e divina
faz com que o bem e o mal resumas,
língua-cáustica, língua-cocaína,
língua de mel, língua de plumas?...

Amo-te as sugestões gloriosas e funestas,
amo-te como todas as mulheres
te amam, ó língua-lama, ó língua-resplendor,
pela carne de som que à idéia emprestas
e pelas frases mudas que proferes
nos silêncios de Amor!...




domingo, 10 de agosto de 2008

Amor à flor da pele


© DE Marilda Confortin



Nossas mãos enrijecidas

insensíveis ao toque

não nos  provocam arrepios

 

nossos corpos

frascos vazios

 

o beijo no rosto

disfarça o desgosto

dos nossos lábios frios

 

não nos damos mais ouvidos

olvidamo-nos

 

nossos olhares suicidas

perdem-se

cada qual em seus vazios

 

perdemos o instinto

e os cinco sentidos

não fazem mais sentido

 

Ah! Quem diria

que nosso amor

tão à flor da pele

Nem criaria raiz…