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domingo, 24 de agosto de 2008

Marilda Confortin

A Invasora


© DE Marilda Confortin



Ninguém escolhe ser poeta.

É ela, essa herege,

quem elege ao bel prazer,

aquele que irá por ela morrer em vida,

ou nela eternamente viver.



É ela, essa divindade inconsequente,

quem invade sorrateira a mente

e insana deposita seus ovos

na chocadeira humana.

Gerá-la, é uma profunda agonia.



É um ser-estar em carne viva

num inferno escuro.

E o pior de tudo,

é que não há sincronia

entre o poeta e a poesia,

entre o recipiente e o conteúdo.



O que há é um descompasso,

uma falha de espaço

entre o tempo do poeta

e o tempo da poesia.



Há uma anomalia

entre o que ele é

e o que ele cria.

Não, não se enganem...



Não há um elo

entre criador e criatura.

O que há,

é um duelo,

uma (a)tensão constante,

porque a qualquer instante,

um pode trair, ferir,

parir

ou abortar o outro.

sábado, 23 de agosto de 2008

Infância

 Infância

 

                                     Para  meu  pai              

 

 

 

 

 

 

Lá vai a Dona Biloca levando uma corvina...

Levei uma surra porque peguei um ovo no galinheiro dela

e disse pra minha mãe que achei na rua...

Lá vem a Odair e o Udinho...

eu sei que eles querem brincar na piscina que eu fiz  sooozinho..

-- Ei Lelo, lá  vem o Seu Badico lavar os cavalos na praia...

-- Eu sei, mas depois ele vai  encher a carroça de tainhas,

vai pôr folhas de bananeira em cima  e vai vender lá em Medeiros.

--Paaaai!... deixa eu ir com o senhor lá em Medeiros???.

Como eu gosto de lavar o Sanho... ele é tão mansinho...

-- Pai... o senhor já nadou até a ilha?

-- Pai... depois o senhor me leva até o fundo?

--Pai... eles vão pôr de novo a rede hoje?

-- Pai... depois vamos tomar garapa lá no Seu Bebé?

 

Infância... a indelével imagem da vida

o território mágico da alma

lembrança viva e peregrina que  flutua pelo tempo.

Ah! essa salgada saudade dos braços fortes de meu pai

a levar-me sobre os ombros entre as ondas.

O salto, o mergulho, o torvelinho das águas

minha festa, meu delírio.

Meu mar, meu céu, meu pão de liberdade

meus sete anos correndo atrás das gaivotas

perambulando entre as canoas que chegavam

meus pés vestidos com  pantufas de espuma

a chutar seus densos flocos pelo ar.

As estrelas do mar semeadas ao longo dos meus passos

os siris entrando em seus buracos

os maçaricos andando ligeirinhos pela praia

as redes chegando lentamente com o  cardume aprisionado

arraias, bagres, cações

espadas, águas vivas, caranguejos

os pescadores repartindo os peixes agonizantes

os baiacus mortos na areia

os restos do arrastão espalhados sobre a praia

meu samburá repleto de peixinhos.

 

Ah, a canção intermitente das ondas

o poético itinerário das velas levadas pelo vento

o vôo vagabundo das  aves litorâneas

o dorso escuro dos botos surgindo de quando em quando sobre as águas.

a maré alta da tarde apagando  as marcas da manhã

a minha lagoinha lá perto da ponte

o meu mangue povoado de siris-goiá

meu pai tirando ostras

o rio desembocando lá na barra

a chegada das tainhas no inverno.

 

Ali morava minha infância

ali, e na imensurável morada do horizonte...

Meus olhos despertavam nas pálpebras entreabertas da aurora

e partiam com os mastros que sumiam na distância.

Vagavam no caminho melancólico do crepúsculo

no ocaso das tardes e na penumbra

na sedução da lua cheia sobre o mar.

Ah, Piçarras!... Piçarras!...............................

Não eras ainda esse moderno balneário

e a tua praia era somente  minha o ano inteiro.

......................................................................................

 

As velas da minha infância,

arriadas pelo tempo, já não saem pra pescar.

As redes daqueles anos,

abertas qual flor nas águas, chegam vazias do mar.

Os cardumes de tainhas,

ligeiras como corisco, já não chegam pra invernar.

As águas vivas do rio,

hoje carregam chorando,  seu veneno para o mar.

 

 

Meu manguezal de menino,

berçário de tantas vidas, foi inteiro loteado.

        Minhas canoas à vela,

poemas soltos ao vento, hoje navegam roncando.

O lago era um ovário

cujo canal dava ao rio, e tudo foi aterrado.

Progresso... que desencanto!!!

  sou um estranho nesse ninho, sou uma infância chorando.

............................................................................................

 

Ó mar, ó mar

procuro em vão meus rastros na areia

e por isso meus passos já não serão como um regresso...

Me restará, contudo, sempre  a tua eterna imagem,

tua beleza amanhecida e retocada pelo sol e pela brisa,

tuas verdes planícies que espraiam o mundo.

Resta-me o teu sabor primordial

“o sal da vida”

linfa incorruptível

ventre profundo que dia a dia reinaugura a maternidade planetária.

Restam-me tuas noites  pontilhadas pelos faróis do mundo

por Sírius, Antares,  Aldebarã...

por todo o firmamento constelado

e pelo  esplendor dos plenilúnios.

 

Volto saudoso aos meus mares

porque sempre haverá um leste e um sul magnético no meu peito

apontando-me  o encanto desses íntimos recantos.

Aqui, uma pequenina praia entre pedras e penhascos,

ali, a visão imensa da baía com seus barcos e canoas, 

além,o grito alado das plumagens que voam lentamente sobre as ondas

ao longe, o pesqueiro solitário que demanda as águas fundas.

Relembro este molhe de pedra que avança sobre o mar

do farol da barra  e  desta paisagem soberana

e da minha adolescência cruzando a nado esta corrente.

É o meu Itajaí-Açu desembocando calmamente no oceano

neste mar tão verde desta manhã de sol.

Meu olhar ancora ao longe, nos navios fundeados

e navega, mais além,  pousado no mastro esbelto de um veleiro.

 

Mar, ó mar

restará sempre o teu murmúrio a embalar o mundo

a voz inaudível das profundidades orientando a  rota dos cardumes

a tua gestação incessante de criaturas

a força imponderável das correntes

a pontualidade das marés

os teus ciclos arquétipos que sustentam a vida.

 

Mar, ó mar

basta-me hoje o que já me deste desde sempre...

a tua imensidão tatuada nos meus olhos,

verde enseada onde aportou meu lírico destino.

Esses teus encantos, as tuas extensões,  essa totalidade...

todas as tuas medidas eu quisera ter na suprema síntese dos meus versos,

para dá-la ao mundo na  expressão mais bela da poesia:

a face deslumbrante da esperança.

 

                                                            Manoel de Andrade

                                                             Piçarras-Itajaí, fevereiro de 2005 

 

 

 

 

 

 

domingo, 17 de agosto de 2008

Olhar Cinzento [© DE João Batista do Lago]

Olhar Cinzento



© DE João Batista do Lago



e depois de tanta confusão

deram-me descansos os mestre

aí então pude olhar a janela do meu quarto

deu-me a impressão da porta de um cofre

cá dentro eu-segredo me guardo

e do outro lado da janela

até onde meus olhares se vão

não há revelações

lá fora está minha imagem vendo os quintais

e neles as leiras das dores

e os montes de misérias quantas

e tantas... e tantas e quantas

jorrando o pus

dos desesperados

vistos pelos meus olhos de olhares cinzentos

de um dia claro e ensolarado

melhor mesmo é ficar aqui dentro guardado

fechado no meu cofre

comendo palavras

amargas com doce de marmelada

o resto?

É só uma cagada

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Princípio, Meio e Fim [© DE João Batista do Lago]

Princípio, meio e fim

© DE João Batista do Lago


disse-me el diablo:
- rezo diariamente para o deus
peço encarecidamente
contritamente
que me livre de ti
não te o quero aqui no tártaro...
vai de retro
vai
vai
vai
não me corrompas o inferno
não quero o caos administrado


...então voltei ao sagrado
disse-me ele:
- penas como quiseres
entre céus e terras (e)
procuras teu reino e trono
acima e abaixo do mar já têm donos


manifesto:
- absurdo
como não ser como eles
como não ter poderes
vou mostrar a ambos
não sou refém da minha ambição
serei maior que os dois
terra terei por redenção


agora os dois me suplicam
el diablo: - alma alguma me quer agora
acabaram-se os encantos do tártaro...
o sagrado: - deixe-me os anjos e os santos
não os roube...
ambos então se ajoelham:
- poeta, perdoai nossos pecados
vem-nos completar a trindade
nem o uno
nem o outro
sejamos três: alteridade 

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Poesia do Aliterado [© DE João Batista do Lago]


POESIA DO ALITERADO



© DE João Batista do Lago



meu amigo

teu verso (in)criado é reino

linguagem de ausente fala

vasos de flores sobre túmulos



tua cabeça de burro

tua pela de leão

\o/

vontade tanta – pra quê?



tuas leiras de frases

tuas montanhas esquizofrênicas

tremeluzir megalomaníaco

esconde sob pele de leão

ouro Equus asinus



tua crina

dna de escuridões

adorna

denuncia

falencia

caixa de pandora

vontade tanta

esperança tanta

pra quê?



teu jardim

comercia excremento

dizes de tudo – o tempo todo –

novos tempos

tu regas (com)paixão

teu é catacumba

tua miséria

entoa tua valsa de sorte



tua vida atoa

teu carnaval difuso

teu desfile de verborreia

não consegue essência do leão

tua eterna perseguição: \o/



teu pedido

será configurado

grafado

regristrando eternidade

\O/

sob pele de leão

esquecimento

solidão

domingo, 10 de agosto de 2008

BOM DIA, PAI!

DE Mário Lincoln Félix

Bom dia, saudades.
Pensava eu todas as vezes que telefonava nesta data.
Mas desta vez o telefone não atendeu...

E o que vamos almoçar hoje?
Gritava da porta de entrada.
Ele, lá do fundo do corredor sorria.
Hoje seu sorriso é só lembrança.

Ficávamos horas conversando na mureta da casa,
após o almoço. Ele me ensinando a vida.
Eu aprendendo a viver...
Mas hoje, suas palavras restam em meu coração.

Peixe-pedra cozido (ensopado) com arroz branco.
Fim de domingo, um abraço apertado e um
- até amanhã...
Um até amanhã, mesmo. Deus, desta vez,
decide por mim!

Amor à flor da pele


© DE Marilda Confortin



Nossas mãos enrijecidas

insensíveis ao toque

não nos  provocam arrepios

 

nossos corpos

frascos vazios

 

o beijo no rosto

disfarça o desgosto

dos nossos lábios frios

 

não nos damos mais ouvidos

olvidamo-nos

 

nossos olhares suicidas

perdem-se

cada qual em seus vazios

 

perdemos o instinto

e os cinco sentidos

não fazem mais sentido

 

Ah! Quem diria

que nosso amor

tão à flor da pele

Nem criaria raiz…


W3


© DE Tonicato Miranda


(anos plúmbeos e “aliás”)


W-3

em qual mês,

minha primeira vez?

Lembro de você, serpente

deitada desde o poente

até os limites da Torre de TV


W-3

todo mês

fez menino fez / fez menina fez

minha rua / minha tez /

W-3 / W-tez / toda sua / toda minha / um de cada vez

passo lento / passa vento / passa passa – W-3


W-3

era bom lhe ver

passear você e a cidade não ver

passar nas suas vitrines a ver

primeiras e últimas novidades

tentação feminina, limiar do querer


W-3

BiBaBo, Mocambo, Casebre 13,

lojas guardadas na sua rica caixa

uma delas Casa da Borracha, onde está

nos guardados não mais se acha?

queimou –se, virou fogueira, virou acha


W-3

centro comprido, reta pura

loja depois de loja, confundindo a procura

lugar de encontros e cursos de costura

escolas de datilografia; casas de fotografia

3×4, 5×8; dentistas com dentaduras na polia


W-3

cruzava-a todos os dias sem lhe partir

No rumo do CASEB e do Elefante Branco

Elefante que não solapava seus barrancos

Elefante Branco, Branco, Branco, Branco

distante um pouco dos seus muitos bancos


W-3

não tenho saudade de você avenida

nem das suas praças de cimento

pois ainda está aí, com todas suas feridas

no seu canteiro já teve retornos e carros

muito mais árvores, algumas muito floridas


W-3

querem agora lhe dar bonde moderno

pensam lhe remoçar como nova noiva

para a visita dos homens de terno

queira não, chama o povo a um beijo terno

diga que lhe apraz o céu mais do que o inferno


W-3

em qual mês,

minha primeira vez?

Lembro de você, serpente

deitada desde o poente

até os limites da Torre de TV


W-3

todo mês

fez menino fez / fez menina fez

minha rua / minha tez /

W-3 / W-tez / toda sua / toda minha / um de cada vez

passo lento / passa vento / passa passa - W-3