domingo, 10 de agosto de 2008

Amnésia

AMNÉSIA poema de jb vidal

saio

carros em velocidade

 

freadas atropelos

salto para trás

 

sinal amarelo

e tudo passa

verde e tudo passa

tudo passa no vermelho

 

merda

 

a guerra está declarada

homens e máquinas

em estranhos carinhos

 

trombadas

carnes e ferros retorcidos

num abraço inseparável

entre emoções e o nada

 

nas calçadas

passa a multidão

e não me vê

 

 

 

atiram-me

de um lado para outro

me equilibro e sigo

vacilante

 

com mais ou menos

oito anos de idade

uma fome corre

mãos ágeis

levam minha passagem da volta

 

as lágrimas brotam

de raiva e poluição

chaminés malditas

conjuntivite crônica

pulmões pretos

ar  ar

onde estás

 

a praça

sim na praça

talvez eu possa

repousar este corpo

ferido na alma

 

seringas quebradas

latas vazias

restos humanos

jogados nos bancos

o chão

cheira mijo e merda seca

o sol escaldante

faz ferver o asfalto

fumaça óleo queimado

suor

asfixia

 

as árvores

pedem sombra

procuro com os olhos

encontro o inferno

 

mudaram tudo

 

a praça

já não é mais

 

haja alma

ali

com os pensamentos

reagindo às marteladas

do bate-estacas

a noite

me abraça

 

atento perscruto

famintos pixotes

prostitutas

homicidas

cafetões

bêbados

drogas

mendigos

 

por todo lado

o éter exala forte

 

 

sirenas

corre-corre

gritos

estampidos

junto à mim

um corpo cai

 

seguramente terá

as homenagens das manchetes

 

 

entro num bar

sento à um canto

 

não bebo

 

a fome de oito anos

levou a passagem

que poderia transformar-se

num gole ardente e cremoso

 

observo que ali estão

cantadores violeiros poetas

 

vou sorvendo

um pouco da vida

de cada um

me animo

questiono

reflito

sorrio

percebo que na arte

a vida sofre, suavemente

 

 

saõ paulo 1976.

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